Colleen
Hoover é uma das minhas autoras favoritas, esse ano tanto o Grupo editorial
Record quanto a Galera Record deram total atenção a todas as minhas preces e
muitos dos seus livros foram traduzidos, com isso, meu veredito é um só: CoHo é
uma autora com a criatividade a todo vapor! Da mesma maneira que ela foi capaz
de usar uma história pessoal para escrever É assim que acaba, ela foi criativa o
suficiente pra construir uma história a partir da ruína familiar. As mil partes
do meu coração fala sobre a importância da união familiar, a importância do
diálogo e acima de tudo, auto estima.
A primeira
cena dessa história já mostra como a vida de Merit Voss é completamente doida,
ela está em uma loja, comprando mais um troféu para a sua coleção, quando nota
um garoto a observando, isso é bastante incomum, a cidade toda conhece ela e
sua família e nutrem profundo ódio, um estranho sorrir para ela é sinal de que
não conhece a história de sua família. Esse joguinho onde Merit é observada e o
estranho flerta quase que abertamente evolui quando ela sai da loja, e esse
rapaz a segue, senta do seu lado, e depois de uma troca de olhares, rola um
beijo, a maneira como essa cena é descrita, faz borboletas voarem no seu
estômago, naquele momento eu só queria ser Merit, como um estranho pode
beijá-la tão apaixonadamente assim? Logo em seguida o telefone do estranho toca
e a mágica se desfaz, ele confundiu Merit com sua irmã gêmea, isso explica os
sorrisos na loja, a proximidade e o beijo. Acontece que agora ela está
apaixonada pelo namorado de sua irmã, como sair dessa enrascada?
Essa
família é um caos, um caos completo, tentar descrevê-la é quase como contar uma
história de fantasia, tudo é muito absurdo, mas nada duvidoso. Pra começar, a
família Voss mora em uma antiga igreja, tudo isso porque o pai foi rancoroso o
suficiente para comprar a igreja quando teve a oportunidade, após anos nutrindo
ódio pelo padre e seu cachorro, sendo assim, não é difícil andar pela casa e
encontrar uma grande estátua de Jesus, ou coisas que remetam ao que a antiga
casa era, como se não bastasse, a mãe de Merit mora em uma espécie de porão,
apesar de estar separada de seu marido, ela tem agorafobia e se recusa a sair
de casa, na parte superior da casa quem é a "esposa" é Victoria Voss,
a antiga enfermeira da mãe de Merit, pois é, quando tinha câncer a mãe de Merit
foi traída, a enfermeira ficou grávida e hoje é a esposa quem mora na parte
superior da casa, bizarro? Isso nem se compara a Honor, a gêmea de Merit, que
se apaixona por meninos sempre em estado terminal, por conta de um trauma
passado ela só consegue se envolver com rapazes nessas condições. E então Utah,
o irmão certinho, nerd, que segue sua rotina de maneira religiosa, é
desesperador vê-lo fazer todos os dias as mesmas coisas, no mesmo horário. Pra
ser sincera a única pessoa normal nessa casa é Moby, o meio irmão de Merit,
filho de Victoria, uma criança esperta e sempre pronta pra quebrar qualquer
clima tenso com uma pergunta ingênua.
Quando
contada desse modo, essa família parece bizarra e Merit parece ser uma das
poucas pessoas sensatas nesse núcleo familiar, certo? Além de sua fixação por
troféus, superficialmente ela não tem mais nada fora do comum, exceto o fato de
ser a única a saber o segredo de cada um nessa família, e odiar cada um dos
Voss por isso. Como se não bastasse, além de lidar com os segredos da família,
ela precisa lidar com Sagan, o namorado de sua irmã que agora parece morar em
sua casa e não a ajuda a esquecer daquele beijo, complexo, não?
Dessa vez
CoHo foi longe demais, eu AMO sua escrita, e todo mundo que acompanha o blog
sabe o quanto amo livros que falam sobre transtornos, pois bem, As mil partes
de meu coração aborda a depressão! Não aguentando mais lidar com os segredos
individuais de uma família que parece descer a ladeira em um ritmo desenfreado,
Merit resolve escrever uma carta de suicídio, engolir os comprimidos que rouba
de sua mãe, e deixar tudo de vez, a partir disso, a mágica acontece, a família
Voss PRECISA falar sobre o que vem acontecendo, desenterrar todo o
ressentimento até mesmo do casamento passado ou da infância, para ser minimamente
unida. Além disso, Merit precisa lidar com os seus sentimentos quanto a Sagan e
antes de mais nada, entender como a depressão está consumindo toda a sua saúde
mental.
Livros que
falam sobre a temática do suicídio mexem comigo, quando vi essa possibilidade
nessa narrativa tive medo, principalmente porque em Tarde demais a autora abusou de
gatilhos principalmente no âmbito sexual, mas todo o meu receio se desfez quando
percebi a maneira em que a depressão seria tratada nessa história. Sagan não é
o salvador de Merit, como inicialmente pensamos, ele não surge como um homem
que vai curá-la disso, muito pelo contrário, a primeira coisa que fica muito
óbvia no personagem, é como ele quer que Merit se reconheça como pessoa, capaz
de ser amada, que tenha auto estima, nada de romance, ela precisa estar
saudável mentalmente antes de qualquer coisa. Isso muitas vezes me deixou fula
da vida, Sagan se aproveita dessa paixão da protagonista para convencê-la a
cuidar de sua saúde mental, isso pode ser frustrante pra muita gente, mas foi o
que de fato funcionou.
Pra além
disso, a história mostra bem como a ausência de diálogo dá brecha para falta de
respeito e amor entre familiares, em algum momento a coisa desandou na família
Voss, em algum ponto eles foram parando de se falar, engolindo seus
contrapontos e nutrindo ódio, o resultado? Uma família que se odeia e janta em
silêncio, até a bomba explodir.
Eu queria
muito me estender nessa resenha, mas não quero partir pra spoilers, só posso
dizer que novamente CoHo foi bem mais além do que eu esperava, essa foi a
personagem que mais me identifiquei, a protagonista tem todos os sintomas
depressivos; aos pouquinhos abandona as aulas, se torna apática, dorme pouco,
fala menos ainda, se exclui totalmente, e sua família não percebe. Nessa obra a
autora soube manusear seus personagens em prol de um assunto que vai para além
de uma narrativa ficcional, caso contrário eu não teria me identificado tanto.
Entender como cuidar de si, é importante para poder então cuidar da família, me
fez compreender a grandiosidade dessa narrativa. E pra não me prender somente a
grande temática, vamos pro romance, fiquei de olho torno porque imaginei que
fosse existir traição por parte de Sagan ou algo assim, mas novamente a falta
de diálogo é o problema, ele não é o que imaginamos que ele seja, ainda assim,
ele é o típico mocinho criado por Colleen, que te arranca suspiros do começo ao
fim, de uma maturidade invejável, e responsável por colocar ordem na bagunça
que é essa família. Quase que na base do conta gotas, a autora aborda a saúde
mental por várias vertentes, seja pela depressão como foi o caso de Merit, ou a
partir dos personagens secundários, agorafobia, aceitação e sexualidade,
traumas que refletem em suas personalidades hoje, apagamento familiar, a
necessidade de terapia, tudo é englobado em pouco mais de trezentas
páginas.
Terminei
esse livro tranquila, porque mais uma vez fui contemplada por uma história que
foge do comum e que ainda assim me representa, que fala de temas necessários e
que mostra a importância da família pra construção de uma boa saúde mental,
hoje não faço qualquer tipo de ressalva sobre a obra resenhada, porque meu
coração terminou essa história quentinho, em tempos de ódio, usar a literatura
para falar o necessário e representar minorias que sofrem com tabus, é
revolucionário.
"Certa vez vi uma citação que dizia: “Não torne sua presença conhecida. Torne sua ausência notada.” Ninguém nessa família nota minha presença ou minha ausência. Todos eles notam Honor. Eu nasci depois, e isso faz de mim uma cópia desbotada da original."
Título: As Mil Partes do Meu Coração
Autora: Colleen Hoover
Editora: Galera Record
N° de Páginas: 336
Sinopse: "Para Merit Voss, a cerca branda ao redor da sua casa é a única coisa normal quando o assunto é a sua família, peculiar e cheia de segredos. Eles moram em uma antiga igreja, batizada de Dólar Voss. A mãe, curada de um câncer, mora no porão, e o pai e o restante da família, no andar de cima. Isso inclui sua nova esposa, a ex-enfermeira da ex-mulher, o pequeno Moby, fruto desse relacionamento, o irmão mais velho, Utah, e a gêmea idêntica de Merit, Honor. E, como se a casa não estivesse cheia o bastante, ainda chegam o excêntrico Luck e o misterioso Sagan. Mas Merit sente que é o oposto de todos ali. Além de colecionar troféus que não ganhou, Merit também coleciona segredos que sua família insiste em manter. E começa a acreditar que não seria uma grande se um dia ela desaparecesse. Mas, antes disso, a garota decide que é hora de revelar todas as verdades e obrigá-los a enfim encarar o que aconteceu. Mas seu plano não sai como o esperado e ela deve decidir se pode dar uma segunda chance não apenas à sua família, mas também a si mesma. As Mil Partes do Meu Coração mostra que nunca é tarde para perdoar e que não existe família perfeita, por mais branca que seja a cerca."
*Exemplar cedido em parceria com a editora.