Quando iniciei o curso de Letras, um dos grandes motivos foi a
matéria de literatura, a ideia de estudar sobre livros me deixava animada
demais, entender correntes teóricas, o motivo da escrita... Tudo era muito
mágico, mas ver isso na prática foi muito melhor! Meu professor nos indicou
essa leitura para que pudéssemos analisar personagens e qual a profundidade de
cada um, confesso que a última coisa que fiz foi isso, eu me prendi a essa
história de tal forma que não consigo parar de ler os quotes, retomar a
leitura, o mundo de Chimamanda é tão mágico que não quero mais sair dele.
Kambili é uma adolescente diferente, ela aprendeu a sussurrar
antes de falar, a andar de cabeça baixa e desde sempre aprendeu que as decisões
de sua vida não são dela e sim de seu pai, que sempre opta pelo caminho que
Deus desejar. Ela tem outro irmão JaJa, sempre quieto, na dele, mas que desde o
início você sente o espírito rebelde do garoto, e obvio que ele paga o preço
por essa rebeldia, pois bem, a narradora é Kambili e você vai observar o
fanatismo religioso de seu pai pelo olhar dela.
Essa leitura é pesada demais, sinceramente. O Papa, como é
conhecido o pai de Kambili, é um homem rico, dono de várias indústrias de
alimentos e um jornal que é contra o governo, desse modo podemos observar como
a família é diferente do restante do contexto da Nigéria, eles são ricos, muito
ricos, esbanjam dinheiro, a primeira coisa que você pensa quando vem Nigéria em
mente, é a pobreza, certo? Os paradigmas já começam a serem quebrados logo aí, porque ter essa ideia fechada sobre a Nigéria é um modo de pensar preconceituoso também!
Papa teve uma infância difícil e foi educado por missionários brancos e que
pregam a religião branca, ele se tornou um homem que nega e até mesmo abomina
os deuses considerados por nigerianos, pra você ter ideia, ele não fala com seu
pai e restringe a aproximação dos filhos por puro preconceito, já que seu pai é
um pagão. Como se não bastasse Papa bate com frequência em sua esposa, ela
perdeu seus bebês tantas vezes por apanhar, que parei de contar os abortos no
decorrer do livro, isso é triste demais.
Tanto Kambili quanto seu irmão são constantemente castigados,
qualquer coisa que leve seu pai a desconfiar que eles estão pecando, é motivo
para castigos, principalmente físicos, eles apanham até por não serem os
melhores alunos de sua sala, o segundo lugar é inaceitável.
As coisas
melhoram quando sua tia resolve levar ela e Jaja para passar uns dia com ela,
Kambili começa a observar os primos e se atenta aos comportamentos, ali ela
começa a entender o que é ser uma adolescente de verdade, acredito que seja
nesse momento que tanto ela quanto seu irmão começam a criar um tipo de
independência, pois até aquele momento era seu pai quem controlava até as
roupas que eles vestiam.
Eu sofri
do início ao fim, foi muito triste ver Eugene, o Papa de Kambili negando os
costumes de sua terra e se rendendo a uma religião eurocentrada, ele sentia
nojo dos costumes religiosos da Nigéria. Eu senti um aperto no peito cada vez
que Kambili descobria uma simples coisa nova, como usar bermuda, batom, tudo
isso em sua casa era proibido, já o seu irmão... Ele se tornou um grande homem
no decorrer da história, foi um dos personagens que mais vi amadurecer. A mãe
de Kambili é a típica mulher submissa que não tem voz porque seu marido é
bondoso demais para a igreja, mas fique atento, ela vai te surpreender no final
da trama e te fazer vibrar!
A tia de
Kambili apareceu como um anjo, professora universitária, militante e sem medo
de bater de frente com o irmão, ela mostrou para a sobrinha que tudo bem ser
adolescente, que tudo bem ser vaidosa e que é possível ser feliz apesar da
pobreza.
O livro
tem uma carga emocional muito forte e quando eu achei que já estava tudo bem e
não podia mais sofrer, Chimamanda deu a cartada final, por mais que Eugene seja
uma pessoa doente, eu terminei a leitura sentindo pena e chorando por ele,
querendo ajudá-lo, já com o restante da família... Meu coração ficou
imensamente grato pelos rumos tomados.
Essa é
uma leitura mais do que necessária, que trata do fanatismo religioso, o
problema de negar nossas origens e como calar a voz de uma família pode silenciá-la
para sempre. Chimamanda surge como um dos grandes nomes da literatura negra a
nível mundial e Hibisco Roxo ganhou um lugar carinhoso em meu coração.
“A rebeldia de Jaja era como os hibiscos roxos experimentais de tia Ifeoma: rara, com o cheiro suave da liberdade, uma liberdade diferente daquela que a multidão, brandindo folhas verdes, pediu na Government Square após o golpe. Liberdade para ser, para fazer.”

Título: Hibisco Roxo
Autora: Chimamanda Ngozi Adichie
Editora: Companhia das Letras
Nº de Páginas: 328
Sinopse: "Protagonista e narradora de Hibisco roxo, a adolescente Kambili mostra como a religiosidade extremamente “branca” e católica de seu pai, Eugene, famoso industrial nigeriano, inferniza e destrói lentamente a vida de toda a família. O pavor de Eugene às tradições primitivas do povo nigeriano é tamanho que ele chega a rejeitar o pai, contador de histórias encantador, e a irmã, professora universitária esclarecida, temendo o inferno. Mas, apesar de sua clara violência e opressão, Eugene é benfeitor dos pobres e, estranhamente, apoia o jornal mais progressista do país. Durante uma temporada na casa de sua tia, Kambili acaba se apaixonando por um padre que é obrigado a deixar a Nigéria, por falta de segurança e de perspectiva de futuro. Enquanto narra as aventuras e desventuras de Kambili e de sua família, o romance que mistura autobiografia e ficção, também apresenta um retrato contundente e original da Nigéria atual, traçando de forma sensível e surpreendente, um panorama social, político e religioso, mostrando os remanescentes invasivos da colonização tanto no próprio país, como, certamente, também no resto do continente."